O Templo por baixo do templo...



Quando em Outubro de 2009, desci do ônibus, sozinha e de mochila, em Glastonbury , passavam das 11 da manhã.
Olhando bem, parecia uma cidade pequena e pouco movimentada.
Não havia conseguido me informar previamente sobre como chegar até Chalice Well, a famosa Fonte do Cálice, onde iria me hospedar.

Assim, atravessei a rua até o ponto de taxi.
Havia apenas um carro. Me abaixei para perguntar e uma senhora ruiva me disse ao volante" claro que sei!. Entre!"

Muito falante, disse que era muito perto e fácil. perguntou de onde
vinha e Que eu iria adorar meu passeio...
Cinco minutos depois, me deixou em uma casa com a entrada por um corredor e um jardim.

Bati em uma portinha onde se lia OFFICE.
Uma jovem abriu a porta e me pediu p esperar.

Em poucos minutos, a mulher que parecia ser responsável me fez algumas perguntas e já foi chamando outra mulher para me indicar o caminho para meu alojamento.

Fui conduzida por ela para a Litlle Saint Michael, uma das construções antigas onde ficam os quartos.

Rapidamente coloquei minhas coisas no quarto e sem sossego, saí.
Algo em mim estava agitado e sem paciência, ansiosa.

Queria andar,ver, tirar fotos.Superficialmente.
Turisticamente.
Havia decidido fazer esta Jornada num momento de luto, desapego e tristeza profunda e parecia querer fugir de algo que exigisse de mim qualquer olhar para dentro. Algo de sombra e medo em mim dizia" Mantenha-se turista.Não encontre com "você neste lugar".


E assim , "corri" até a Nascente, olhei os jardin. "É belo", pensei.
Saí e fui até algumas lojas. Sentia um estranho desassossego...

Caminhando pela rua que levava ao centro,um objeto, em um muro baixinho, me chamou atenção.

Um cesto que parecia estar ali sem dono ...
Quando cheguei mais perto, comecei a entender onde estava.

O cesto estava cheio de maçãs, visivelmente "de quintal" , perfumadas e deliciosamente imperfeitas,
"Caídas com o vento.Sirva-se".dizia o bilhete escrito a mão.

Como se estivesse fazendo algo errado, olhei para os lados e "colhi" a mais suculentas delas...
No fim do dia,exausta de tanta ansiedade e de tanto correr para conhecer tudo, me assentei na cozinha coletiva, antiga e simples, para comer o que havia comprado...
Ali havia uma senhora, sorridente e silenciosa, que também 
preparava seu alimento e me ofereceu um pouco das suas sementes 
germinadas "São ótimas para o intestino, "disse ela colocando a 
tijela no centro da grande mesa de madeira antiga.Agradeci e 
baixei a cabeça, a impaciência turística somada ao cansaço me faziam querer acabar de comer e ir p o quarto.

Como se quisesse me tirar do local de impaciência e desassossego em que eu me encontrava,a doce senhora me perguntou de onde era e o que fazia ali...

Muito cansada, respondi em poucas palavras e imediatamente e
estrategicamente inverti a pergunta...

E foi então que aquela cozinha antiga se transformou no palco do mais belo conto de fadas que eu haveria de ouvir...

Naquele momento, entendi Clarissa Pinkola Estes, quando no livro
Mulheres que correm com os Lobos, escreve " há um templo por baixo do templo... O rio por baixo do rio...é preciso apenas exercitar a habilidade de vê-los. A Mulher sábia caminha entre os dois mundos..."

Quando aquela senhora, a pouco desconhecida, me contou que era uma Story teller, uma contadora de histórias profissional e que estava ali escrevendo seu livro, aquela cozinha, aquela casa, aquela cidade se transformaram e de repente eu havia chegado a Avalon, a cidade por traz da cidade, o templo por baixo do templo.

Com a graça e maestria de quem caminha em um local conhecido, esta senhora derramou em minha alma uma dos mais belos contos que já havia ouvido em minha vida...que aprofudou o sentido da minha Jornada e que norteou toda a minha viagem após este encontro.

Enquanto me contava que seu livro ficaria pronto dali há um ano, me perguntou se conhecia o Conto da Verdade.

Ao me ver balançar a cabeça em negativa, seus olhos brilharam, como acontece com os Mestres contadores de histórias. 
E ela então abriu-se como um livro mágico e contou: 

"Em um belo dia de sol, a Verdade acordou feliz e colocando uma bela flor no cabelo, foi passear pela praça.
E como sempre fora muito educada, à todos que passavam,a Verdade se dirigia com alguma saudação gentil " Bom dia, Como vai? Belo dia!Como está?"
Mas estranhamente, todos que passavam por ela, viravam o rosto,
mudavam de calçada, ignorando seus cumprimentos, nem sequer
cruzando olhares com ela...
Assim foi sucessivamente até que a Verdade, indignada, triste e
cabisbaixa foi caminhando até a praça da cidade. E exausta, sentou-se num banco.
Logo a sua frente , assentada no meio de crianças de várias
idades, havia uma senhora muito bela, com um delicioso e enorme xale colorido, que contava belos contos para os pequenos ouvintes atentos.
Vendo a Verdade triste e infeliz, bela senhora que contava estórias
se aproximou perguntando:

-O que foi verdade, por que está tão triste?

A Verdade respondeu: - Ninguém sequer olhou para mim hoje, nem por um segundo! Ah Como estou triste!"
A senhora abriu um belo sorriso e disse: - Ahhh querida! 
Olhar para a verdade NUA é sempre muito difícil para qualquer pessoa!
Tome, vista isso, disse a Senhora colocando nos ombros da verdade o seu belo manto. Vista-se com o manto dos contos, disse ela.

Assim é, até hoje. A verdade anda por aí, vestida com o manto dos contos para que todos possamos olhar para ela!"

Quando a contadora de estórias terminou sua narrativa, boquiaberta, eu só conseguia ouvir tudo reverberando e se interligando dentro de mim:
O manto...
Cobrir...
A verdade...
O templo por baixo do templo.
O cesto...as maçãs...a Fonte...O monte...
Mulheres Sagradas... desde a minha chegada naquela cidade...
Mulheres me guiaram....
Avalon... Sacerdotisas...O Feminino Sagrado...

Tudo então fez sentido.
E então eu soube que havia chegado a Avalon, que havia chegado "em mim",  que havia chegado  "em casa".
Eugênia Corrêa - 2014

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